domingo, 15 de abril de 2012

5. Direito e ciência:


Constitui este trabalho um breve estudo acerca da Ciência do Direito. Qual motivo o inspira ? Unicamente o desiderato de apreender o conhecimento em torno da temática. Imprescindível estudar para conhecer precisamente um determinado objeto. [01]
A Ciência do Direito [02], classificada entre as disciplinas jurídicas fundamentais [03], constitui um conjunto ordenado e sistemático [04] de princípios e regras que tem por tarefa definir e sistematizar o ordenamento jurídico (Direito positivo ou direito posto [05], vale dizer, produzido pelo Estado) que o Estado impõe à sociedade e apontar solução para os problemas ligados à sua interpretação e aplicação. [06]
Seu objeto [07] é o Direito positivo (ou direito posto), mas considerado o Direito positivo de um Estado determinado, num dado momento histórico-cultural, ou como direito em certo ponto do espaço-tempo, com suas peculiaridades histórico-sócio-culturais. [08]
O Direito-objeto, além de estudado e descrito pela ciência, énormativo. Já a ciência que o estuda e descreve, no entanto, não é normativa, porém descritiva, como ensina o preclaro jurista Eros Roberto Grau. [09]- [10]- [11]Dir-se-á, com o eminente jusfilósofo Miguel Reale, que a "Ciência do Direito é sempre ciência de um Direito positivo, isto é, positivado no espaço e no tempo, como experiência efetiva, passada ou atual. Assim é que o Direito dos gregos antigos pode ser objeto de ciência, tanto como o da Grécia de nossos dias". [12]A Ciência do Direito preocupa-se com o estudo da norma jurídica positiva. Contudo, divide-se em duas partes: a regra jurídica não é somente objeto do conhecimento teórico, mas também do saber essencialmente prático ou técnico, do qual emergem os problemas relativos à sua aplicação. Denomina-se a parte teórica de sistemática jurídica, enquanto à prática empresta-se a denominação de técnica jurídica. [13]Importa anotar a advertência de Daniel Coelho de Souza no sentido de que a Ciência do Direito, como sistemática jurídica, tem caráter dogmático, a justificar uma de suas denominações como dogmática jurídica, consistindo em que a realização da atividade estritamente científica pelo jurista importa aceitação da regra jurídica como dogma, devendo, pois, aceitá-la e interpretá-la. [14]Aliás, como bem preleciona Wilson de Souza Campos Batalha, o "cientista do Direito, estritamente como cientista do Direito, aceita o ordenamento jurídico como um "dado" que elabora, com vistas à sistematização, mas que não pode alterar e que admite com sua indiscutível imperatividade. Daí a denominação de Dogmática Jurídica atribuída à Ciência do Direito".[15]
Essa aceitação, no entanto, não significa que o jurista não possa empreender esforços com vistas a alcançar a revogação da lei. Mas não é este o escopo próprio daquele profissional no campo científico, máxime porque toda atividade científica é neutra, de mera sensibilidade voltada para o real, e não há de ser afetada por juízos críticos com comprometimento da pureza ascética da ação avalorativa. De qualquer modo, a aceitação de que se trata assenta-se na imprescindibilidade de que o jurista reconheça como ponto de partida os dogmasestabelecidos pela escola jurídica, tais como valores, modelos e regras preexistentes. [16]
Bem por isso, explicita Legaz y Lacambra que o jurista tem uma função valoradora que é imprescindível, tem a faculdade de criticar o dogma, de valorá-lo sob diversos pontos de vista, assinalando suas injustiças, suas imperfeições técnicas, sua inadequação às necessidades sociais, sua falta de vinculação aos antecedentes históricos [17], sempre com o escopo de aprimorá-la e adequá-la aos mais puros anseios da sociedade.
Sob o enfoque ainda do dogmatismo, convém lembrar a observação do preclaro jurista Tércio Sampaio Ferraz Júnior, no sentido de que "os juristas, em termos de um estudo estrito do direito, procurem sempre compreendê-lo e torná-lo aplicável dentro dos marcos da ordem vigente. Esta ordem que lhes parece como um dado, que eles aceitam e não negam, é o ponto de partida inelutável de qualquer investigação. Ela constitui uma espécie de limitação, dentro da qual eles podem explorar as diferentes combinações para a determinação operacional de comportamentos juridicamente possíveis". [18]Caracteriza-se a Ciência do Direito pelo aspecto reprodutivo, pois não cria as normas, que são o seu objeto[19]- [20], mas apenas cuida de reproduzi-las. Essa reprodução evidentemente não se fará com base num plano abstrato. Porém, acontecerá tendo em mira os valores eleitos pela comunidade e, pois, a expressão de modelos sociais de comportamento. [21]Cabe ressaltar que a Ciência do Direito adota vários métodos [22], em especial devido à sua natureza investigativa, como o analítico, o sintético, o analógico, para alcançar os seus fins consistentes em construir um sistema jurídico adequado à realidade atual, não correspondente ao momento histórico em que foram construídas as suas partes, como enfatiza Paulo Dourado de Gusmão. [23] A essa tríade, Miguel Reale acrescenta os métodos indutivo e dedutivo, que de há muito já eram defendidos por Enrico Ferri [24], os quais se completam na tarefa científica, lembrando que nossa época caracteriza-se pelo pluralismo metodológico. [25]
Diferencia-se da Filosofia do Direito e da Teoria Geral do Direito. Com relação à primeira, dela se distingue por ser a Ciência do Direito eminentemente valorativa. Ademais, a Filosofia do Direito erige-se à condição de crítica do Direito positivo, enquanto que a Ciência do Direito o analisa e descreve. E à Filosofia do Direito cumpre analisar e criticar os pressupostos da Ciência do Direito, ao passo que esta considera indiscutíveis aqueles pressupostos. Também o método desta é indicado por aquela.
Enquanto a Ciência do Direito tem em mira o estudo do sistema de Direito positivo de um determinado Estado, num dado momento histórico-cultural - como o Direito romano, o Direito brasileiro, o Direito francês etc. -, a Teoria Geral do Direito dedica-se ao estudo dos Direitos positivos existentes, atuais ou passados, com vistas a identificar as suas semelhanças e, pelo método de indução, generalizar princípios fundamentais, de caráter lógico, válidos para todos eles. [26]- [27] Oportuno registrar, também, que não existe apenas uma Ciência do Direito, mas, sim, uma gama de Ciências do Direito, dentro de cujo contexto encontram-se a Filosofia do Direito, a Teoria Geral do Direito, a História do Direito, a Sociologia do Direito, a Dogmática Jurídica etc., todas elas dotadas de linguagens próprias que se denominam metalinguagens. [28]
Convém observar que o que o homem busca e anseia com o Direito repousa na paz e na segurança sociais. O Direito representa instrumento que visa a assegurar a coexistência pacífica na sociedade. [29] Isso deixa evidente que o Direito, longe de constituir-se num fim, erige-se inequivocamente à condição de meio, como corretamente emerge do pensamento kelseniano. Para Kelsen, a função do Direito está na realização de fins sociais inatingíveis senão através dessa forma de controle social, fins esses que variam de sociedade para sociedade, de época para época. [30]Nada obstante cuidar-se de um ramo do conhecimento humano dotado de objeto, sistematização e metodologia próprios, a Ciência do Direito é contestada por alguns que não a reconhecem como ciência. Expressão desse posicionamento é o alemão Julius Herman von Kirchmann [31], que se vale para tanto de célebre frase: "bastariam três palavras retificadoras do legislador e bibliotecas inteiras se transformariam em papel sem valor". [32]
Olvidou, contudo, o jurista tedesco que a revogação de uma norma juridica não significa necessariamente a profligação dos princípios jurídicos que a fundamentaram ou informaram. É válido anotar que as transformações em um sistema jurídico opera-se de maneira paulatina, como observa Ángel Latorre. [33] Cabe acrescentar, também, um dado importante consitente na "persistência duma tradição doutrinal, de métodos, sistemas e conceitos, que se mantêm atráves dos tempos", sobrevivendo às leis e condicionando o legislador. [34]
Isto mostra, à saciedade, como o argumento impugnativo da cientificidade do Direito peca pela base, partindo de premissa caracterizada pela falta de compromisso com a verdade (portanto, premissa falsa). E, aliás, a verdade é o valor supremo que a ciência sempre teve em mira. Tudo isso, sem contar que tal jurista cometeu o desatino de considerar o Direito Positivo como se fora o Direito na sua mais ampla abrangência e significação gnosiológica, esquecendo-se de que o Direito Positivo não significa senão um dos múltiplos aspectos da Ciência do Direito ou, como preconiza o eminente Ministro Eros Roberto Grau, o Direito produzido pelo Estado. [35] Assim, sem razão Kirchmann.
Por isso mesmo, merece referência o escólio de Machado Neto, para quem, contrário à postura doutrinária de Kirchmann, "o certo é que a subseqüente história do pensamento jurídico não confirmou sua desenganada negação da ciência jurídica, embora o jurista contemporâneo ainda persevere na atitude de má consciência acima aludida". [36]
Não bastasse isso, a Ciência do Direito ou Jurisprudência possui caráter científico, sob rigorosa perspectiva epistemológica, notadamente por ser um conhecimento sistemático, metodicamente obtido e demonstrado, dirigido a um objeto determinado, que é separado por abstração dos demais fenômenos. E mais, nela avulta a sistematicidade como argumento eloqüente para afirmar a cientificidade do conhecimento jurídico. [37]

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