O homem é um ser social
e político, vivendo em grupos, em sociedades.
É natural que no seio
destes grupos haja conflitos, desentendimentos e interesses divergentes. No
entanto, o homem sente necessidade de segurança e busca a harmonia social. Para
que a sociedade subsista é necessário que os conflitos sejam resolvidos e para
tanto, o homem dispôs de vários meios
com o intuito de controlar as ações humanas e trazer um equilíbrio à sociedade.
São os instrumentos de controle social. O Direito, criação humana, é um destes
instrumentos, cujo principal objetivo é viabilizar a existência em sociedade,
trazendo paz, segurança e justiça.
PALAVRAS CHAVES:
a). Sociologia jurídica b). Direito. c). Sociedade. d). Controle
social.
a). A sociabilidade
humana
O homem é um ser social
e precisa estar em contato com seus semelhantes e formar associações. Ele se
completa no outro. Somente da interação social é possível o desenvolvimento de
suas potencialidades e faculdades. Ele precisa buscar no outro as experiências
ou faculdades que não possui e, mais, há
a necessidade de passar seu conhecimento adiante. Dessa interação, há
crescimento, desenvolvimento pessoal e social.
Conforme Battista
Mondin (1986, p.154) o homem é um ser
sociável, pois tem a “propensão para viver junto com os outros e comunicar-se
com eles, torná-los participantes das próprias experiências e dos próprios
desejos, conviver com eles as mesmas emoções e os mesmos bens.” Segundo o mesmo
autor, ele também é um ser político. A politicidade é “o conjunto de relações que o indivíduo mantém com os
outros, enquanto faz parte de um grupo social.”
Vários estudiosos tentam explicar o
impulso associativo do ser humano. Platão (428-348 a.C.) interpreta a
dimensão social do homem como um fenômeno contingente. Para ele o homem é um
ser etéreo, é essencialmente alma e se realiza em sua plenitude e perfeição,
alcançando a felicidade ao contemplar as ideias. Estas se localizam em um mundo
denominado “topos uranos”, ou lugar celeste. Para esta atividade não necessita de
ninguém, cada alma se basta, existindo e se realizando por conta própria,
independentemente das outras. Mas, por causa de uma grande culpa, que não é
explicada em sua teoria, as almas perderam sua condição original de
espiritualidade absoluta e caíram na Terra, sendo obrigadas a assumir um corpo
físico para expurgar suas culpas e purificar-se. Esse corpo físico funcionaria
como um limitador de suas potencialidades e faculdades, impedindo-as de se
sentirem completas por si só. Desse modo, as almas corporificadas precisam
se associar para suprir suas carências e
limitações. Sendo Platão, portanto, a sociabilidade é uma consequência da
corporeidade e dura apenas enquanto as almas estiverem ligadas ao corpo físico,
material.
Aristóteles (384-322
a.C), de maneira oposta, entende que a sociabilidade é uma propriedade
essencial do homem. Na sua visão, o homem é constituído de corpo e de alma,
essencialmente. E, por esta constituição, não pode se auto-realizar, sendo
necessário criar vínculos sociais para satisfazer suas próprias necessidades e
vontades. É a natureza do homem que o impulsiona a querer associar-se e
interagir com os demais.
Por este motivo,
considerava o homem fora da sociedade um ser superior ou inferior à condição
humana: “O homem é, por sua natureza, um animal político. Aquele que, por
natureza, não possui estado, é superior ou mesmo inferior ao homem, quer dizer:
ou é um deus ou mesmo um animal” (de sua obra: A política). Santo Tomás de
Aquino (1225-1274), como Aristóteles, considerava o homem um ser naturalmente
sociável: “O homem é, por natureza, animal social e político, vivendo em
multidão, ainda mais que todos os outros animais, o que evidencia pela natural
necessidade.” (S.Th, I, 96, 4). Afirma
ainda que a vida fora da sociedade é exceção, se enquadrando em três hipóteses:
a mala fortuna, quando um indivíduo, acidentalmente, por um infortúnio passa a
viver em isolamento, como é o caso de um náufrago, por exemplo; a corruptivo natural, quando por alienação
mental ou anomalia, o homem é desprovido de razão e busca viver distanciado dos
demais; e a excellentia naturae, que é a hipótese do homem isolar-se buscando a
comunhão com Deus e o seu aperfeiçoamento espiritual. Durante a época moderna
surgem os contratualistas, destacando os nomes de Spinoza, Hobbes, Locke,
Leibnitz, Vico e Rousseau. Existe uma gama enorme e variada de teorias
contratualistas que buscam explicações para o impulso associativo do homem, com
diferentes explicações e teses. Há, no entanto, um ponto em comum entre eles. Todas
negam o impulso associativo natural, concluindo que somente a vontade humana
justifica a existência em sociedade. A sociedade, portanto, é uma criação
humana e se tem sua base firmada em um contrato, que pode ser alterado ou
desfeito. Hobbes, por exemplo, com suas ideias apresentadas na obra “Leviatã”,
defendia que o homem é um ser mau e anti-social por natureza, enxergando seus
semelhantes como concorrentes a serem dominados ou destruídos. O constante
estado de guerra, de conflitos e brutalidade teria levado os homens a firmarem
um contrato entre si, transferindo o poder de se autogovernar, seus direitos e liberdades ao Estado, que
deveria impor ordem e segurança a todos. Rousseau, por sua vez, em “O contrato
social”, afirma que o homem, ao revés do entendimento de Hobbes, é
essencialmente bom e livre. A sociedade e o aparecimento da propriedade privada
é que o corrompe, dando início aos inúmeros conflitos sociais. A solução
encontrada por ele para extirpar os conflitos seria a organização de um Estado
que só se guie pela vontade geral, e não
pelos interesses particulares. O instrumento pelo qual se perfaz essa
sociedade é o contrato social, pelo qual cada indivíduo transfere ao Estado a
sua pessoa, todos os seus direitos e suas coisas.
Ante o exposto, entendemos
que a sociedade é fruto da própria natureza humana, de uma necessidade natural
de interação. O homem tem necessidade material e espiritual de conviver com
seus semelhantes, de se desenvolver e de se completar. No entanto, essa
interdependência recíproca não exclui a participação da consciência ou da
vontade humana. Consciente de que necessita da vida social o indivíduo procura
melhorá-la e torná-la mais viável. A sociedade, em suma, seria o produto de um
impulso natural conjugado com a vontade e consciência humana.
b). Sociedade e
interação
O conceito de sociedade
apresenta inúmeras controvérsias devido ao seu amplo aspecto. O vocábulo pode
ser utilizado de diversas formas e com vários sentidos, tais como o de nação e
o de grupo social. Em termos gerais podemos definir sociedade como um grupo de
pessoas que interagem entre si. Deste conceito podemos deduzir três
características da sociedade: a multiplicidade de pessoas, a interação entre
elas e a previsão de comportamento. Para a formação da sociedade não basta que
existam várias pessoas reunidas, uma
aglomeração de indivíduos, mas que elas interajam, que desenvolvam ações
conjuntas, que tenham reações aos comportamentos uns dos outros, que
desenvolvam diálogos sociais. Ela se faz por um amplo relacionamento humano.
Dessa interação é possível prever comportamentos, situações e condutas que poderão se manifestar no seio do grupo, sejam elas lícitas ou ilícitas.
Conforme ensina Betioli
(2008, p.7):” A interação, por seu turno, pressupõe uma previsão de
comportamento, ou de reações ao comportamento dos outros.(...) Cada um age
orientando-se pelo provável comportamento do outro e também pela interpretação
que faz das expectativas do outro com relação a seu comportamento.”
Segundo Paulo Nader, a
interação social, basicamente, vai se realizar de três formas: a cooperação, a
competição e o conflito. Vejamos:
“Na cooperação, as pessoas estão movidas por
um mesmo objetivo e valor e por isso
conjugam o seu esforço. Na competição há uma disputa, uma concorrência,
em que as partes procuram obter o que almejam, uma visando à
exclusão da outra.
(...) O conflito se faz presente a partir do impasse, quando os interesses em
jugo não logram uma solução pelo diálogo e as partes recorrem à luta, moral ou
física, ou buscam a mediação da justiça.” (2007, p.25) Vivendo em um mesmo
ambiente e possuindo os mesmos instintos
e necessidades, é natural que surjam diversos conflitos entre as pessoas e que
necessitam de uma solução. Para que a sociedade subsista é imprescindível que
se resolvam estes conflitos de interesses. As pessoas têm a necessidade de
buscar a segurança, a justiça e a realização do bem comum. Diante disto surge a
necessidade de criar instrumentos que controlem ou que regulamentem a vida
social.
c). Instrumentos de
controle social
Existem diversos meios
que servem para regular a condutas dos membros da sociedade visando à harmonia
da vida social. Entre eles podemos destacar a religião, a moral, as regras de
trato social e, obviamente, o Direito. Paulo Nader (2007, p.31) afirma que “o
mundo primitivo não distinguiu as diversas espécies de ordenamentos sociais. O
Direito absorvia questões afetas ao plano da
consciência, própria da
moral e da religião, e assuntos não pertinentes à disciplina e equilíbrio da
sociedade, identificados hoje por usos sociais.” No entanto, é certo que hoje
não podemos confundir as diferentes esferas normativas. Cada instrumento de
controle social possui uma faixa de
atuação, um objetivo específico.
A faixa de atuação do Direito
é regrar a conduta social, visando à ordem e o bem comum. Por este motivo, ele
irá disciplinar apenas os fatos sociais mais relevantes para o convívio social.
Ele irá disciplinar, principalmente, as relações de conflitos e, quanto às
relações de cooperação e competição, somente onde houver situação
potencialmente conflituosa.
Betioli ressalta
que:
“O direito não visa ao
aperfeiçoamento interior do homem; essa meta pertence à moral. Não pretende
preparar o ser humano para uma vida supraterrena, ligada a Deus, finalidade
buscada pela religião. Nem se preocupa em incentivar a cortesia, o
cavalheirismo ou as normas de etiqueta, campo específico das regras de trato
social, que procuram aprimorar o nível das relações sociais.” (2008, p.8-9)
Há vários pontos de
divergência entre direito e religião. Legaz e Lacambra aponta duas diferenças
estruturais: a alteridade e a segurança.
Segundo o autor (1961, p.419), “a alteridade, essencial ao direito, não
é necessária à religião.” O próximo, o semelhante é um elemento circunstancial
e não um elemento essencial na ideia religiosa. O mais importante é a prática
do bem. A religião é uma relação entre o homem e Deus e não entre o homem e os
demais. Para o Direito, no entanto, o que importa é o comportamento humano e
social. A segunda diferença estrutural diz respeito à segurança. Para a
religião a segurança é algo inatingível e espiritual, porquanto que para o
direito, se alcança a partir da certeza ordenadora. Em relação às diferenças
existentes entre o direito e a moral, podemos apontar algumas das distinções
feitas por Paulo Nader (2007, p.40-44). Segundo o autor, “o direito se
manifesta mediante um conjunto de regras que definem a dimensão da conduta
exigida, que especificam a fórmula do agir”. Ao contrário da moral que possui diretrizes
mais gerais. As normas jurídicas possuem uma “estrutura imperativo-atributiva,
isto é, ao mesmo tempo em que impõem um dever jurídico a alguém, atribuem um
poder ou direito subjetivo a outrem”. A moral, por sua vez, com uma estrutura
mais simples, impõe apenas deveres.
Enquanto a moral se
preocupa com a vida interior das pessoas, como a consciência, o direito cuida,
em primeiro plano, das ações humanas. O
animus do agente só será considerado quando necessário. Além disso, a
moral, bem como todas as demais regras sociais, se distingue do direito, pois
carece de coercibilidade e de heteronomia. O direito, ao revés, é imposto
independentemente de vontade de sujeição e
possui formas de garantir o respeito e obediência a seus preceitos.
d). O direito como
instrumento de controle social
Como vimos o direito
não é o único instrumento responsável pela organização e pela harmonia da
sociedade, uma vez que as demais normas de conduta também contribuem para o
sucesso das relações sociais. No entanto, merece lugar de destaque, pois é o
que possui maior pretensão de efetividade, manifestando-se como um corolário
inafastável da sociedade. Émile Durkheim (1960, p.17) ressalta que “a sociedade
sem o direito não resistiria, seria anárquica, teria o seu fim. O direito é a
grande coluna que sustenta a sociedade. Criado pelo homem, para corrigir a sua
imperfeição, o direito representa um grande esforço para adaptar o mundo
exterior às suas necessidades de vida.” A necessidade de uma convivência
ordenada impõe-se como condição para a subsistência da sociedade. O direito
corresponde a essa exigência ordenando as relações sociais através de normas
obrigatórias de organização e comportamento humano.
Miguel Reale (2006,
p.62) define o direito como sendo “a ordenação das relações de convivência”.
Telles jr. (2001, p.381), neste mesmo sentido, conceitua-o como “a disciplina
da convivência”. Por sua vez, Paulo Nader (2007, p. 76), em sua brilhante
definição, assim considera: “direito é um conjunto de normas de conduta social,
imposto coercitivamente pelo Estado, para a realização da segurança, segundo os
critérios de justiça”. Do conceito de Paulo Nader podemos perceber três
grandes distinções entre o direito e as
demais regras de trato social. A primeira diferença repousa no fato do direito
ser a única norma que emana do Estado. A segunda, pelo fato de ser impositivo,
imperativo. Não há margem de liberdade para escolher se irá ou não se adequar
aos seus preceitos. Por último, temos a coercibilidade, que exerce intimidação
sobre os destinatários das normas jurídicas. Sendo assim, podemos depreender
que o indivíduo que não se adéqua ou não realiza atos de acordo com o
ordenamento jurídico vigente poderá ser submetido a uma punição.
Conclusões:
Do exposto podemos
concluir pela mútua dependência entre direito e sociedade. Não pode haver
sociedade sem direito e não há direito sem sociedade. Não poderia existir
sociedade sem uma ordem mínima, sem guias e direcionamentos. Há a necessidade
de se limitar a esfera de conduta de
cada indivíduo de modo que sua liberdade de atuação não gere conflitos sociais.
Da mesma forma que não se concebe o homem sem o convívio social, também não se
concebe uma sociedade sem regras, sem o direito. O direito, por sua vez, não
tem existência por si só. Ele existe no meio social e em função da sociedade. O
indivíduo isolado não carece de direito.
Desta forma, ele modifica a sociedade no sentido de impor condutas e
comportamentos, mas também é influenciado
por ela, através da cultura, dos usos e costumes e pela evolução
temporal. Dante Alighieri, em sua obra “Da Monarquia”, assim conclui: “o
direito é uma porção real e pessoal, de homem para homem que, conservada,
conserva a sociedade, corrompida, corrompe-a.”
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